Depois de passar (e continuar passando) por certas situações nas últimas semanas, relembrei de um professor do qual tenho boas lembranças.
Sempre gostei muito de História e Geografia. Felizmente tive grandes professores dessas disciplinas. Um em especial foi responsável por muito do que sou hoje. O conheci em 1994, na Escola Estadual "Stela Machado" na cidade de Bauru-SP.
Eu cursava a quinta série do ensino fundamental, no período da tarde. Tinha entre 11 e 12 anos. Na primeira aula, o professor explicou que não costumava escrever textos na lousa. De uma palavra ele começava a desenhar um esquema que ocupava a lousa toda. E por incrível que pareça, aquele monte de palavras interligadas por setas faziam sentido.
Certa vez ele disse: "Leiam nas entrelinhas. Ali tem mais coisas do que vocês imaginam". Aquilo caiu feito uma bomba sobre a minha cabeça. Ler nas entrelinhas...
"Vocês precisam ser críticos..."
Foi a primeira vez que ouvi algo sobre "um tal" Bertold Brecht...
Acho que exagerei na dose, mas sei que nunca mais vi o mundo da mesma maneira. Porém, isso seria uma das marcas na minha memória deixadas por aquelas aulas.
Ele não gostava do tradicionalismo. Criticava a avaliação feita apenas por provas. Gostava de propor atividades em grupo, de interpretação de texto e de teatro. Chegou a substituir a nota de uma prova pela apresentação de teatro. Quem não gostava nada disso era a direção.
Dia de apresentação. Meu grupo escreveu uma peça sobre desigualdade social. Só lembro de uma única cena: um rico almoçava no restaurante e um pobre mendigava na porta. No meio da apresentação, alguém bate na porta. Era a diretora. Veio chamar o professor para uma conversa na sala dela.
Silêncio. Porque a diretora foi até a sala chamá-lo? Ela nunca aparecia nas salas, exceto em casos graves e urgentes. Inquietação. Alguns alunos ficam na porta, outros ficam sentados na carteira esperando até que alguém começa a bater a mão sobre a carteira.
Outra pessoa começa a bater também e de repente todos batem suas mãos e chamam pelo professor. Aquilo espalhou pelo corredor de tal maneira, que todas as quintas séries estavam batendo as carteiras e gritando "Queremos Vladimir! Queremos Vladimir". Eram quatro ou cinco turmas. Os outros professores tiveram que interromper as aulas.
Vladimir volta, acompanhado da diretora. "O que está acontecendo aqui?", a diretora perguntou. "O professor Vladimir está aqui, porque esse barulho todo?". Ninguém respondeu.
Ligeiramente constrangido, Vladimir concorda quando a diretora disse que eles apenas tiveram uma conversa e que não havia nada de errado.
As apresentações foram interrompidas. Fizemos as provas dos últimos bimestres. Nada de teatro.
Parece que nunca mais o professor propôs teatro para as outras turmas... Também não precisou ter outras conversas na sala da diretora...
Dois anos depois eu estava na mesma escola, mas no período da manhã. A grande maioria da sala não era daquela turma de 94. Era dia de aula de história, mas a professora não pôde ir. O substituto foi Vladimir. Nem sei porque, ele começou a contar o episódio. Disse que nunca sentiu tanta emoção como naquele dia. Era uma lembrança que ele guardaria a vida toda. Talvez ele não saiba, mas pelo menos para mim aquele momento também ficaria marcado na minha memória.
Mudei para o colégio técnico em 98. Nunca mais voltei para o Stela Machado. A diretora daquela época faleceu, não me lembro em que ano. E Vladimir?
A última vez que o vi, foi no centro da cidade. Ele não estava dando aula. Substituiu o giz, pelo volante. De professor, passou a taxista...
Certamente suas aulas foram fundamentais para a minha formação. Das provas, não lembro nada. O que ficou foram as lições das apresentações de teatro.
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