quarta-feira, 25 de julho de 2007

Ao mestre

Depois de passar (e continuar passando) por certas situações nas últimas semanas, relembrei de um professor do qual tenho boas lembranças.

Sempre gostei muito de História e Geografia. Felizmente tive grandes professores dessas disciplinas. Um em especial foi responsável por muito do que sou hoje. O conheci em 1994, na Escola Estadual "Stela Machado" na cidade de Bauru-SP.

Eu cursava a quinta série do ensino fundamental, no período da tarde. Tinha entre 11 e 12 anos. Na primeira aula, o professor explicou que não costumava escrever textos na lousa. De uma palavra ele começava a desenhar um esquema que ocupava a lousa toda. E por incrível que pareça, aquele monte de palavras interligadas por setas faziam sentido.

Certa vez ele disse: "Leiam nas entrelinhas. Ali tem mais coisas do que vocês imaginam". Aquilo caiu feito uma bomba sobre a minha cabeça. Ler nas entrelinhas...
"Vocês precisam ser críticos..."
Foi a primeira vez que ouvi algo sobre "um tal" Bertold Brecht...

Acho que exagerei na dose, mas sei que nunca mais vi o mundo da mesma maneira. Porém, isso seria uma das marcas na minha memória deixadas por aquelas aulas.

Ele não gostava do tradicionalismo. Criticava a avaliação feita apenas por provas. Gostava de propor atividades em grupo, de interpretação de texto e de teatro. Chegou a substituir a nota de uma prova pela apresentação de teatro. Quem não gostava nada disso era a direção.

Dia de apresentação. Meu grupo escreveu uma peça sobre desigualdade social. Só lembro de uma única cena: um rico almoçava no restaurante e um pobre mendigava na porta. No meio da apresentação, alguém bate na porta. Era a diretora. Veio chamar o professor para uma conversa na sala dela.

Silêncio. Porque a diretora foi até a sala chamá-lo? Ela nunca aparecia nas salas, exceto em casos graves e urgentes. Inquietação. Alguns alunos ficam na porta, outros ficam sentados na carteira esperando até que alguém começa a bater a mão sobre a carteira.

Outra pessoa começa a bater também e de repente todos batem suas mãos e chamam pelo professor. Aquilo espalhou pelo corredor de tal maneira, que todas as quintas séries estavam batendo as carteiras e gritando "Queremos Vladimir! Queremos Vladimir". Eram quatro ou cinco turmas. Os outros professores tiveram que interromper as aulas.

Vladimir volta, acompanhado da diretora. "O que está acontecendo aqui?", a diretora perguntou. "O professor Vladimir está aqui, porque esse barulho todo?". Ninguém respondeu.

Ligeiramente constrangido, Vladimir concorda quando a diretora disse que eles apenas tiveram uma conversa e que não havia nada de errado.

As apresentações foram interrompidas. Fizemos as provas dos últimos bimestres. Nada de teatro.

Parece que nunca mais o professor propôs teatro para as outras turmas... Também não precisou ter outras conversas na sala da diretora...

Dois anos depois eu estava na mesma escola, mas no período da manhã. A grande maioria da sala não era daquela turma de 94. Era dia de aula de história, mas a professora não pôde ir. O substituto foi Vladimir. Nem sei porque, ele começou a contar o episódio. Disse que nunca sentiu tanta emoção como naquele dia. Era uma lembrança que ele guardaria a vida toda. Talvez ele não saiba, mas pelo menos para mim aquele momento também ficaria marcado na minha memória.

Mudei para o colégio técnico em 98. Nunca mais voltei para o Stela Machado. A diretora daquela época faleceu, não me lembro em que ano. E Vladimir?

A última vez que o vi, foi no centro da cidade. Ele não estava dando aula. Substituiu o giz, pelo volante. De professor, passou a taxista...

Certamente suas aulas foram fundamentais para a minha formação. Das provas, não lembro nada. O que ficou foram as lições das apresentações de teatro.

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