Você já ouviu tecnobrega? O fenômeno da música paraense já foi tema de
artigo na Folha de São Paulo em 2003, escrito pelo antropólogo Hermano Vianna. Porém, como eu não leio a
Folha, fiquei surpreso em saber como os paraenses estão driblando a indústria fonográfica e criando um mercado musical próprio.
Abaixo, reproduzo uma reportagem do jornal Miami Herald publicado em português no site
Cultura Livre:
Miami Herald: Brasil alia música e tecnologia em novos modelos de negócios
No Brasil, artistas se unem à rede informalFãs do tecnobrega, em vez de serem ameaçados por gigantes da mídia, são encorajados a copiar músicas e postá-las em sites de compartilhamento de arquivos
Por Jack Chang
Em Belém, Brasil, na borda direita da floresta amazônica, milhares de jovens se reúnem todo final de semana para festejar ao som de uma música que rapidamente se transformou na trilha sonora da selva.
DJs espalham no ar o som conhecido como tecnobrega em festas cheias de lasers e telas gigantes, enquanto os cantores de tecnobrega fazem ecoar seus hits mais recentes com a potente ajuda vocal de legiões de fãs.
Esta é uma cena familiar para os fãs do pop ao redor do mundo, mas o diferencial do tecnobrega – e o que inspirou muitos a chamarem-no o futuro da indústria da música mundial – é que o fenômeno se deu sem a interferência de gravadoras, promotores de shows nem nada que remeta à indústria da música tradicional.
Enquanto gigantes da mídia gastam milhões no combate à pirataria, as bandas de tecnobrega gravam suas músicas em estúdios caseiros e enviam-nas diretamente aos copiadores, que queimam centenas de cópias e as vendem em bancas nas calçadas, lado a lado com cópias ilegais dos mais recentes sucessos Hollywoodianos.
Os fãs, em vez de serem processados pelo compartilhamento de música entre si, são incentivados a copiar e postar as canções em websites de compartilhamento de arquivos digitais, de onde milhões de pessoas ao redor do mundo podem baixá-las.
Nesse ambiente de liberação, os músicos lucram somente de seus elaborados shows ao vivo, que são promovidos através da cessão de álbuns.
O que está vindoA cantora Gabi Amarantos, uma das principais estrelas, diz que o tecnobrega é um sinal do que acontecerá ao redor do mundo. Assim como a Banda Calypso, de Belém, a banda Tecno Show, de Amarantos, se tornou nacionalmente conhecida contando somente com a força da venda das cópias nas ruas.
“Não há como deter a pirataria, então estamos aproveitando o cenário que emergiu em Belém, que é um sistema extremamente ágil para distribuição de música, através dos piratas”, disse Amarantos.
“Aqui, nós não temos gravadoras. Na realidade, não temos nada além de selva e pirataria. O que significa que nós, músicos, tivemos de ser criativos”.
A pirataria, abastecida pela facilidade e baixo custo da cópia de CDs e pelo compartilhamento de arquivos na internet, equivale a praticamente toda a música vendida em países como Paraguai e Bolívia, de acordo com a associação da indústria fonográfica IFPI, que também listou o Brasil como uma nação prioritária na sua luta contra a pirataria.
A tendência é global. CDs pirateados contabilizam 37 por cento de todos os álbuns comprados no mundo, de acordo com a IFPI. Como resultado, gigantes da mídia têm acompanhado a queda nas vendas, mesmo nos Estados Unidos.
A parceria em Belém entre músicos, copiadores e DJs poderia ser um novo modelo, afirmou Ronaldo Lemos, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Lemos, que estudou o movimento do tecnobrega, descobriu que os músicos ganham cerca de US$ 850 por mês – aproximadamente cinco vezes o salário mínimo brasileiro – a partir de sua música, sendo que 88 por cento deles sem contato algum com gravadoras e selos.
Camelôs, músicos e aparelhagens (sound systems) em Belém ganham uma estimativa de US$ 5 milhões por mês vendendo CDs de tecnobrega, DVDs e ingressos de shows, de acordo com Lemos.
“As pessoas costumam dizer que, se não há proteção à propriedade intelectual, não há incentivo à criatividade,” diz Lemos. “Mas, no caso do tecnobrega, a criatividade se multiplica sem quaisquer proteções”.
Para a fã do tecnobrega Carla Pantoja, a chave é a economia. Com a venda de CDs legais no Brasil a cerca de US$ 15 cada, o que corresponde ao salário de um dia de trabalho para muitos em Belém, a música pirateada é a única alternativa possível para a maioria das pessoas, afirma Pantoja. Nas ruas, os CDs podem custar até US$ 0,50 cada.
Ela diz ainda que a pirataria é também uma maneira rápida para que fãs como ela esteja sempre a par das tendências e hits do tecnobrega, no qual as músicas podem passear do estilo grunge ao disco em questão de um ou dois dias.
“Às vezes, a música está sendo vendida nas ruas no mesmo dia em que é gravada,” afirma a jovem de 26 anos. “E, às vezes, na hora em que está sendo vendida nas ruas, já ficou fora de moda”.
A forte tendência a mudanças súbitas joga cantores e aparelhagens de DJs em um constante desafio de reinventarem-se e manterem a atração de seu público, perseguição familiar às companhias de mídia norte-americanas e suas tentativas de manterem-se no topo dos novos e virtuais tempos.
Os cantores sonharam com uma avalanche de ramificações do tecnobrega, com nomes como cibertecnobrega e brega melody, para citar as mais recentes. O tecnobrega em si é uma versão de batidas mais pesadas do brega, estilo musical que teve início em Belém nos anos 1970 inspirado no rock norte-americano.
Grandes produçõesEsse cenário também vem servindo de impulso para os produtores de shows de tecnobrega, que tiveram de se manter atualizados comprando dezenas de milhares de dólares em novos raios lasers, caixas de som e telas gigantes a cada poucos meses e promovendo festas gigantescas de lançamento para cada novo equipamento.
A gravação ao vivo das festas, vendida por copiadores, tornou-se a principal maneira de os principais cantores do tecnobrega serem escutados.
Recentemente, DJs se reuniram em uma enorme batalha musical e tecnológica, com naves espaciais e efeitos com canhões lançando lasers e névoa sobre a aglomeração de jovens.
Erick Santos, a cuja família pertence uma aparelhagem chamada O Poderoso Rubi, a Espaçonave do Som, diz lembrar de épocas mais simples, mais de cinco décadas atrás, quando seu pai abriu o negócio somente com um tocador de discos e um megafone.
Agora, embora tenha comprado três caminhões cheios de telas de vídeo e luzes, Santos tem visto seu público preferir outras aparelhagens com equipamentos mais resplandescentes.
“É este o futuro da música?”, perguntou Santos em uma note recente, enquanto o tecnobrega punha em transe o público em uma de suas festas. “Eu acho que sim. E, gostem ou não gostem, ninguém será capaz de impedir”.